Entrevista concedida a Prisma Galeria


Como tu entendes a relação entre presença e ausência dentro do teu trabalho?

                Grande parte dos meus trabalhos tem como elaboração a ausência do signo linguístico, que, em alguns momentos, se estende para o campo da palavra falada. Penso esse campo com alguns eixos que podem ser entendidos como paralelos, como as relações de ler e ver – impossibilidades de leitura e tentativa de comunicação e questões sobre o que é indizível.
                As relações de presença e ausência se dão de formas diferentes, de acordo com cada trabalho. Procuro não deixar fisicamente o signo linguístico, que pode ser alcançado por diversas intervenções, como: apagar, ofuscar, cobrir, retirar, substituir ou negar. Em alguns casos, a ausência se dá pela não presença. O texto em meu trabalho está submerso, porém o trabalho carrega uma presença visual permanente – as grades de um texto ou os espaços entre uma frase e outra assumem visualidade própria. São textos sugeridos em vez de mostrados, que só ganharão forma na interpretação do público. Dependendo da forma que intervenho em algum material, a memória desses textos fica latente no trabalho; entendo essa Memória como presença também. 
                Apesar da ausência do texto impresso, não se trata de silenciar, é mais uma tentativa de provocar impossibilidade de leitura e, por consequência, angústia, gerada a partir da tentativa de discernir algo que tem como objetivo, em sua essência, comunicar. Quero me aproximar do sentimento que uma pessoa não alfabetizada tem ao esperar um ônibus e o perde por não entender o que está escrito, o que a obriga a encontrar outra forma de identificar o ônibus, outra forma de relacionar-se com o objeto e interpretá-lo. O trabalho possui uma surdez ruidosa apresentada nas pulsões e latências de uma escrita que perpassa entre o desejo e a impossibilidade, entre referência e estranhamento nas dimensões do visível e do legível. Entre esses pontos há um espaço ruidoso.
  


Em que tipo de suporte mais te interessa realizar essas intervenções que operam a invisibilidade do discurso textual? Há alguma preferência, ou o processo independe de o material ser um jornal, um cartaz, etc.?

                Entendo que trabalho com construção de pensamento apresentado por meio de imagens. Tenho uma ideia, e a partir dela o trabalho vai se construindo, só então o suporte é pensado – se vai ser um desenho em papel ou em vegetal, se vou fazer intervenção em jornais ou se vai ser um vídeo ou um objeto.
                Tenho interesse que meu trabalho passe por diferentes linguagens: desenho, colagem, vídeo, instalação, etc. Para mim, o que importa na pesquisa é conseguir encontrar a melhor forma de apresentar uma ideia.
                Porém, o suporte não entra como elemento aleatório, usando como exemplo os trabalhos com jornais. Há um abismo entre um jornal e um cartaz, pensando nas suas funções e nos signos que as duas mídias carregam. Nesse caso, o jornal me interessa como símbolo e como material. Não só no caso dos jornais, mas na minha produção em geral, uma página de um livro não é apenas um pedaço de papel, assim como uma folha de jornal está impregnada da função social além da notícia publicada. Quando pego essa folha, entendo que estou trabalhando com esse símbolo de circulação e com a memória dessa notícia.



Na seleção para o Prisma, há trabalhos teus que apresentam tanto a translucidez, com o papel vegetal, quanto a solidez e o peso, com o grafite. De que modo tu percebes o uso de diferentes materiais dentro de um processo que investiga as impossibilidades do texto?

                   O material entra como elemento que pode potencializar uma ideia, não só como meio de execução de trabalho. Geralmente não dedico um longo período em um mesmo trabalho, em média 2 ou 3 semanas; depois, deixo no canto e vou me dedicar a outra pesquisa, até dar tempo de distanciar e repensar o que estava sendo feito, só então dou continuidade.
                Quando comecei a trabalhar com os desenhos que deram início aos trabalhos com papel vegetal, comecei a fazer em papel para desenho, mas o trabalho pedia outra solução. A pesquisa partia da leitura de materiais diversos, livros, catálogos, revistas. Durante a leitura, marcava frases, palavras, sem um critério estabelecido, marcava de acordo com o que o escrito chamasse a atenção, e isso gerava diferentes tipos de marcação. Ao passar as marcações para uma segunda folha, já pensava em fazer o desenho em camadas de papel, formando um desenho com várias camadas sobrepostas. Não queria que o primeiro desenho impedisse totalmente a visibilidade do segundo, também não queria que a primeira folha fosse totalmente transparente. Foi então que entrou o papel vegetal, por possibilitar a visibilidade de várias camadas que se perdiam de acordo com a quantidade de folhas sobrepostas, dando possibilidades diferentes de tons. Essa característica do vegetal e o processo de construção do trabalho estão intimamente próximos. O papel não é só suporte, é parte constituinte do trabalho, tanto como material como elemento poético. Há quase que uma simultaneidade entre as camadas, que não é completada devido à opacidade do vegetal. Entendo que essa sobreposição remete ao momento de leitura, uma página após a outra, porém não são independentes, uma está à sombra da outra.
             
   Nos trabalhos feitos com grafite sobre papel, também ocorre um processo de repetição: desenhar, cobrir o desenho com grafite e apagar. Essa ação é repetida várias vezes, de forma a deixar as figuras quase como uma sombra, um espectro, construída em camadas de grafite, que cobre e dá forma ao desenho, em um jogo de tons, ora revelando, ora ocultando, entre o contraste e os granulados decorrentes da textura do papel.
                Os dois trabalhos são possibilidades diferentes: um que se dá pela translucidez, outro pelo acúmulo de materiais. Entendo os dois como formas diferentes de construir linhas de ideias, com procedimentos que podem ser opostos, mas que estão conectadas dentro da mesma pesquisa. Esse pensamento perpassa toda minha produção, tanto nos desenhos quanto em objetos e vídeos.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SEM TÍTULO I, 2012.